quarta-feira, 15 de julho de 2015

Ou toca, ou não toca




Não me prendo a nada que me defina.
Sou companhia, mas posso ser solidão,
tranquilidade e inconstância, pedra e coração.
Sou abraços, sorrisos, ânimo, bom humor, sarcasmo,
preguiça e sono.
Música alta e silêncio.
Serei o que você quiser, mas só quando eu quiser.
Não me limito, não sou cruel comigo.
Serei sempre apego pelo que vale a pena
e desapego pelo que não quer valer.

Clarice Lispector.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Não chore.



Ela chorando o fim de seu antigo amor. Amor?
Ele sorrindo o começo do seu novo amor. Amor!
Amor à primeira vista?




Discretamente, ela enxugou uma lágrima que escorria por seu belo rosto, tentou sorrir. 

Não conseguiu.

Ele se foi! 

Rompendo laços e desfazendo o amor. 

Ele se foi! 

Pra sempre?

Sempre!

Em outra mesa, alguém a olhava atentamente. 

Novas lágrimas saltaram de seus olhos. Remexeu na cadeira, olhou ao redor com inquietação. Chorando de tristeza e raiva. 

Ele desviou o olhar, e sentiu o desespero e a fragilidade dela. O coração doendo por vê-la sofrer. 
Chorar. 

Eram apenas dois estranhos que se viam de longe, um encontro inconstante, num restaurante impessoal, quase vazio. 
Normal.

Todos os dias ela se sentava na mesma mesa. Sozinha. 

E ele na mesa ao lado. Também sozinho. 

Trocavam olhares. Trocavam sorrisos. Nada mais. Nenhuma palavra. Não precisavam. Tudo era dito naquele silêncio. Naquela troca de olhares. Naquela confusão de sorrisos e timidez. 

Hoje ela chorava. Porque? Ele se perguntava. 

Algum amor perdido? Um coração partido? 

Qual seria o motivo daquelas lágrimas? 

E havia tanta dor naquelas lágrimas!

Ele viu uma gota molhar os seus lábios trêmulos. Ofegando forte, ela fechou os olhos por alguns segundos, os ombros caídos, o rosto contorcido com uma dor palpável. 

Será que essa dor não vai passar? Ela pensava em desespero, a garganta apertada e o coração acelerado. 

Mais um amor errado. Mais um amor desfeito. Mais uma vez sozinha. 

Uma nova solidão. Várias lembranças. Um novo vazio. 

Frágil demais, abriu os olhos devagar com seus pensamentos descontrolados, respirando rapidamente, aquele homem a fitava com uma expressão preocupada e ansiosa. O mesmo homem que ela via todos os dias. Ele abaixou a cabeça e o olhar. Ela também. 

Suspirou profundamente, ruidosamente, dolorosamente. 

Porque ela tinha que amar errado? 

Escolher errado? 

Porque tinha que amar, afinal? 

Ela tivera o seu amor destruído, despedaçado. Arrancado de suas mãos. 

Emoções estranhas e confusas nublavam sua mente e o seu coração.

E ela sentia raiva. E dor! 

Muita dor!

Sentia o coração partido em pequenos pedaços. 




Voltou a olhar para o estranho com incerteza e ressentimento. Ele estava distraído, preocupado, sozinho. Talvez ele pensasse que ela fosse uma louca apaixonada, sofrendo à toa. 

E daí? Dane-se! Pensou zangada. 

Dane-se! Quis gritar. 

Era uma louca apaixonada. E o sofrimento não era à toa. 

Era?

Novas lágrimas caíram. Novas dores. Novas mágoas. 

Sentia-se abandonada. Inquieta. Magoada.
Uma tola apaixonada!

Parecia sentir todas as dores do mundo. 

Que dor era? 

Todas!

O amor só trouxe engano. E dor!

Muita dor!

E um mundo repleto de sentimentos e fragilidades.

Soluçou alto, xingando baixinho sua incapacidade de ser amada. 
Ela pensou que era correspondida em seu amor. 
Doce engano. 
Triste ilusão. 
O amor, não foi feito pra ela. 
O que lhe restava era desistir. 
Desistir... 
De amar... De esperar... De se apaixonar. 
Ou não. 
Um novo pranto rasgou-lhe o coração sensível. Molhando sua fraca decisão de se fechar definitivamente para o amor. 

Ele virou a cabeça bruscamente em sua direção, ela desviou o olhar. Ele continuou analisando cada lágrima, vendo cada sentimento, desnudando sua alma inteira, enxergando sua dor e seu desespero naqueles olhos úmidos e perfeitos. Ela suspirou ruidosamente, de novo. 

Será que não podia nem mesmo sofrer em paz? 
Que indelicadeza da parte desse estranho a fitar assim num momento solitário de mágoas e angustia. 
Indelicado!

Olhou novamente pra ele, disfarçadamente, sentindo uma perigosa mistura de raiva e ternura. 

Seria tão fácil amar aquele estranho de sorriso doce e olhar gentil. 

Porque ela tinha que amar errado? 

Escolher errado? 

Pensou no motivo de suas lágrimas. No adeus não dado. No beijo esquecido. Na despedida sem muitas palavras. 

Aquele que deveria lhe amar uma vida inteira, acabou o romance dos dois. Disse que se apaixonou por outra pessoa. Como assim? E ela? E o amor que ele dizia sentir, por ela? Acabou? De repente? 

Assim, tão rápido?
Canalha!

O adeus fora apenas um momento fugaz. E ele desapareceu facilmente de sua vida. E num piscar de olhos ela abraçava a solidão e o sentimento vão. 

Ela queria gritar sua estupidez. 

Com um rápido olhar. Observando-a, ele sentiu seu coração saltar no peito, respirou fundo e levantou, em poucos passos estava ao lado dela, em um único movimento estendeu um fino lenço de seda. Ela apenas o olhou, umedecendo os lábios com a ponta da língua, os olhos rasos d'água, o coração oco por dentro. Aceitou o pequeno lenço e secou as lágrimas em silêncio, desajeitadamente, fungando e tentando engolir todo seu sofrimento. 

Ele inclinou a cabeça, respirando próximo de sua orelha, uma carícia quase indecente para dois estranhos. 

— Não chore. — A voz rouca dele a fez se arrepiar. Aquele sotaque diferente dando vislumbres de um futuro sem dor. Suspirou, aquela voz lhe dava um doce esquecimento. 

Esquecer, era preciso esquecer. 
O amor, a dor, as lágrimas. 
Esquecer... o homem que pensou amar. 
Esquecer... o amor que pensou sentir.

Ergueu a cabeça e encontrou seu olhar penetrante preso nela. Sorriu fragilmente. Aquele estranho sentou-se ao seu lado, tocou sua mão delicadamente, sempre sorrindo pra ela. Não disse mais nada. Apenas ficou ali, ao seu lado, cuidando de sua dor, secando as suas lágrimas...

Esquecimento... Doce e amargo esquecimento!

Ele deixou que o silêncio falasse por si, tocou suavemente a mão dela, sem palavras, apenas um toque inocente e quente, quase possessivo, queria que ela soubesse que não estava sozinha em sua dor desconhecida, queria aninhar seu pequeno corpo junto ao seu e protegê-la de tudo e de todos, queria tantas coisas... 

— Não chore. — Ele forçou um sorriso e repetiu novamente as palavras, vendo novas lágrimas inundar aqueles olhos incrivelmente verdes, aquilo partiu o seu coração. Qual seria o peso de sua dor? Não importava, ele estava disposto a dividir ou carregar tudo em seus ombros poderosos. 

Por amor?

Não queria dar nome ao sentimento, mas no fundo já sabia. Havia se apaixonado perdidamente por aquela mulher que nem mesmo sabia o nome. 

Amor à primeira vista. — Aquele sentimento surgiu em sua mente como um clichê. Tão verdadeiro. 

Devia tê-la amado desde o primeiro momento em que a viu entrar naquele restaurante há algumas semanas atrás. 

Amor. À primeira vista. 

Quase sorriu com esse pensamento, com essa verdade, com essa nova emoção brincando em seu peito. Palpitando fortemente em seu coração. 







'Só quem já viveu de olhares sabe que amor à primeira vista existe'.


- Diego Santos



Ela virou-se pra ele e sorriu timidamente, mais uma vez sem palavras, mais uma vez em silêncio. Viu seus olhos claros e ternos, notou seus lábios desejosos, e uma súplica silenciosa no bater acelerado de seu coração, parecia gritar algo, parecia implorar por algo.

Amor!

Amor?

'Deixe-me te amar.' O coração dele parecia soar essas palavras numa promessa muda e insistente. Ele era um estranho que doou seu tempo e carinho num momento de solidão e dor. 

O que dizer? O que fazer?

Ela esfregou a mão nos olhos. Segurou as lágrimas traiçoeiras. Mordiscou os lábios com força. Cerrou as pálpebras e a testa tentando se acalmar. 

— Juro que não vou mais chorar. — Ela sussurrou emocionada, um sentimento novo florescendo no coração. Um sorriso desenhando sua boca. Um brilho diferente no olhar. A esperança refletida nos olhos cor de esmeralda. 

Esperança de amar certo dessa vez. 
Amar certo!

Observou-o em silêncio por longos segundos e com uma intensidade perigosamente atraente, logo, estendeu a mão num cumprimento conhecido, ele aceitou com um aperto forte e sedutor, fazendo-a sobressaltar e estremecer com o toque gentil e quente em sua mão fria. E mais. Sentiu admiração e compaixão. Sentiu desejo e atração. 

E mais. 

Sentiu amor.

Amor!

Amor?

— Chloe. — Timidamente, disse seu nome baixinho. 

— Romeo. — Ele se apresentou, pronunciando seu nome rapidamente, a voz era firme, um sotaque diferente, atraente, sedutor. 

Ambos sorriram. Ambos sentiram como se começassem a viver naquele momento. 

Uma nova vida, pra ambos! 








'Foi muito lindo te ver pela primeira vez e pensar sem palavras: Eu quero.'






- Caio Fernando Abreu







Não chore, foi o que ele disse. Não chore. E daquele dia em diante, ela não deixou nem uma lágrima a mais cair de seus olhos. Ao lado dele, ela conheceu o verdadeiro amor. O amor sincero. O sentimento delicado. Um futuro certo,  trilhando o mesmo caminho, juntos. Um estranho que lhe ensinou a amar, sem pressa, sem aperto, sem dor, sem nó. 

E sem lágrimas e sofrimento. 

Apenas, amor!




"O amor é isso. Não prende, não aperta, não sufoca. Porque quando vira nó, já deixou de ser laço." 

(Mário Quintana)







*Fim. 







— Rosi Rosa. 


P.S. Música do texto: Juro que não vou mais chorar de José Augusto.