terça-feira, 2 de junho de 2015

Anjo Negro


Sua respiração estava pesada, sufocando-o, o coração disparando no peito desnudo. No alto do prédio, o olhar atento e perspicaz, ele a avistou, linda e distraída, sempre distraída, parecia cantarolar uma canção de amor, o vento soprou mais forte bagunçando seus compridos cabelos espessos cor de ébano, fazendo suas asas remexer como se fosse um manto negro de veludo e maciez, inclinando-se um pouco mais, ele sorriu e seu peito vibrou de energia divina.
Então, isso era o amor?
Ficar feliz com um simples sorriso de alguém?
Observou-a em detalhes, fascinado.
Ela era tão bela. Uma beleza etérea. Sublime.
Seus olhos eram azuis cristalinos, os cílios longos, os lábios rosados e cheios, o rosto oval e perfeito.
E o corpo? O anjo suspirou profundamente, sentindo no seu próprio corpo uma reação intensa... nova e inesperada.
Então, isso era o desejo?
Ele queria se unir a ela da forma mais primitiva possível.
O coração palpitou, surpreso com a rigidez e o latejar de seu corpo aquecido.
Ela era perfeita, de uma beleza inatingível. O corpo esguio, os seios firmes, a cintura delgada. Os cabelos soltos era um halo dourado de seda esvoaçante de encontro com a luz. Queria tocar a suavidade dos fios sedosos num roçar lento e leve com as pontas de seus dedos.
Ousaria?
Ela virou o rosto, ondulando os quadris sensualmente, deixando a suave brisa brincar em seus cabelos. Riu alto, o som reverberando no silêncio, inundando os ouvidos do anjo negro como uma melodia de amor.
Uma sublime sinfonia de sons e desejos.
Ele esboçou um fraco sorriso, totalmente apaixonado por sua beleza loira.
Era um amor impossível. Proibido.
Incerto. Desigual.
Inatingível.
Um anjo podia se apaixonar, agora ele sabia, e doía saber que nunca poderia abraçar aquele corpo que desejava tanto.
Nunca poderia sentir o coração dela batendo junto com o seu num abraço apertado e protetor.
Nunca sentiria o gosto de sua boca, ou o sabor de seus beijos.
Nunca tocaria a suavidade gostosa daquela pele alva.
Nunca andaria de mãos dadas com ela num passeio romântico.
Nunca poderia expressar seus sentimentos por ela.
Nunca poderia tê-la intimamente. Corou, tais pensamentos ainda era um erro.
Quase um pecado terrível.
Tê-la junto dele, enroscada nele, provando a quietude e o barulho de seus corpos ardorosamente unidos e íntimos.
Era errado. Arriscado.
Pecador.
Era amor. Puro e verdadeiro amor.
E também, era desejo, arrebatador.
Ergueu a cabeça pro céu e clamou por uma chance de viver esse amor. De alcançar e viver essa utopia.
Sentir o calor do corpo dela. Sentir o desejo ser saciado nos braços e nos abraços dela.
Seu coração estava transbordando sentimentos estranhos. Delicadezas indecifráveis.
Seu corpo transbordava desejos impuros, pecaminosamente atraente.
Anjos podiam chorar?
Anjos podiam sofrer?
Anjos podiam amar?
A brisa fez suas asas balançar com força, ecoando um ruído intenso e majestoso. Ele sorriu vendo-a sorrir de leve. Sentindo um tumulto em seu coração.
Inseguro, fechou os olhos e imaginou...
Sendo apenas... um homem.
Sendo comum ao lado dela.
Algo molhou seus olhos delicadamente, com a ponta dos dedos colheu uma gota.
Lágrimas?
Anjos podiam chorar.
Anjos podiam sofrer.
Anjos podiam amar.
E esse sonho parecia inalcançável... amar sua beleza loira, terrena, mulher.
E ele ansiava por esses encontros únicos todos os dias, onde, de longe a via, vivendo, dançando, sorrindo.
Inspirando-o divinamente. Plenamente.
Sem desencontros.
Todos os dias o anjo voava pro alto daquele prédio e esperava por ela, imerso na pureza de sua paixão e na intensidade de seu amor.
Ela era ... sua amada... seu amor impossível. Seu desejo inatingível.
Feito de luz e fogo, o peito nu, a calça de linho em cor escura, os cabelos ao vento, as asas abertas, o físico era pura fortaleza, sua extraordinária beleza inspirava poetas e escritores...
Ele era um anjo apaixonado, solitário e misterioso.
Perdido em novas sensações, viu-a ir embora, incapaz de saber que no céu ele era poesia em movimento, misturado às nuvens, um ser celestial, que podia ficar visível e invisível à vontade, protegia-a do mal do reino humano, livrando-a das tristezas, perigos, e angústias, e amando-a em total e absoluto silêncio, com intensidade provocante e amor sincero.
Era errado. Um desastre. Pensou com certeza, dor e mágoa.
Era totalmente errado amar assim.
Entretanto, seria uma mistura intrigante... Anjo negro e mulher. Ele ansiava por intimidade e amor. Com ela. Sua doce criatura delicadamente feminina.
Amor proibido. Descabido. Impossível.
Novas lágrimas. Nova dor. Novos sentimentos.
Doce e amargo.
Envolvendo-o.
Entristecendo-o.
Iludindo-o.
As cortinas fecharam agitadamente ao ruflar de suas asas. Outro dia, outro momento, voaria pra perto dela, um pouco mais, somente uma curta distância, uma proximidade mais ousada, visível, somente pra sentir seu perfume e o bater suave de seu coração.
Outro dia, anjo negro a teria perto, bem perto do seu coração.
Outro dia.
Alcançou as nuvens, o bater acelerado das asas balançavam ao ritmo do vento e subiu... subiu... subiu... subiu. Agitando as nuvens num levantar de voo mais rápido, fazendo tremular seus cabelos envolta de seu rosto angelical, fazendo tremular seu coração no peito com força.
Subiu...
Desaparecendo na imensidão do céu azul, iluminado pelo esplendor do sol da tarde que reluzia sua divina beleza.
Voando num misto de paixão, emoção e amor. Sentimentos novos bagunçando sua perfeita harmonia entre o céu e a terra.
Sentimentos puros ou impuros?
Anjo negro não soube responder, apenas batia as asas em sintonia com o bater apressado de seu coração inquieto com a pequena ausência.
Outro dia a teria perto, bem perto...
Num encontro de alma, coração e eternidade.
Ele queria encontrá-la, respirá-la, amá-la.
Durante uma vida inteira.


O amor calcula as horas por meses, e os dias por anos; e cada pequena ausência é uma eternidade.
— John Dryden


— Rosi Rosa.




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